
A fechar a maratona de 28 debates televisivos, os principais candidatos - Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos - encontraram-se, esta noite de quarta-feira, num frente-a-frente transmitido em simultâneo na SIC, RTP e TVI. Se para o socialista este foi o sétimo e último frente-a-frente, para o líder da AD-Coligação PSD/CDS foi apenas o quarto. Num clima tenso e com várias trocas de acusações, Montenegro e Pedro Nuno Santos começaram por falar do tema do momento.
A proximidade do apagão que, recorde-se, obrigou a adiar este frente-a-frente inicialmente agendado para segunda-feira, levou a que fosse este o tema de arranque do duelo final. “Segunda-feira vivemos um acontecimento inédito, inesperado”, disse Luís Montenegro, assegurando que o Governo atuou, desde logo, e em “três dimensões”.
Desde logo “numa abordagem técnica para que fosse cortada a ligação a Espanha (a origem do apagão), em segundo, garantir os serviços essenciais - hospitais, comunicações, entidades que dependem do consumo de emergência (…) que resultou tanto que tivemos zero mortes ao contrário do que aconteceu em Espanha (…), e em terceiro, a comunicação, desde logo via rádio a mais eficaz. (…) Respondemos com força e eficácia"
Opinião diferente manifestou Pedro Nuno Santos que insistiu na ideia de que o Governo “falhou" - como aliás, disse, falhou noutras crises, como a da greve do INEM e nos incêndios de 2024 - e, revelou o que teria feito de diferente: “Se fosse primeiro-ministro, a primeira coisa que tinha feito era convocar o Sistema de Segurança Interna” para uma reunião na qual estariam outros ministros, a PJ, a PSP, a GNR, as forças armadas, os serviços de informação e o presidente da Proteção Civil, para ativar o sistema nacional de emergência".
Além disso, vincou o socialista, os autarcas estiveram "abandonados à sua sorte", ativando sozinhos os planos municipais.
Da “falta de ambição” à “falta de vergonha”
Mantendo a palavra, Pedro Nuno Santos é convidado a mudar de tema: economia. Depois de defender o programa eleitoral do PS por ser, sublinhou, “mais cauteloso e prudente”, atacou o do adversário classificando o programa da AD de “embuste” e acusando Montenegro de ter “duas faces”, uma na campanha eleitoral e outra para Bruxelas.
“A AD coloca artificalmente taxas de crescimento, para depois ter despesa orçamental mais baixa”, ao contrário do PS que, vincou, “opta por diminur impostos”, sobretudo para beneficiar famílias que recebem menos - como o IVA Zero - e mais: “Não prometemos tudo a todos. Mas o que prometemos é para todos, ao contrário da AD (…) Também estamos a votar, nestas eleições, a seriedade de um líder de um governo"
Na resposta, Luís Montenegro entrou ao ataque, criticando o PS de “não transformar nada”, e esclarecendo que a “pedra de toque do Governo é o investimento”. “Diminuir encargos sobre empresas para terem mais meios, pagarem melhores salários, para sermos atrativos ao investimento estrangeiro”, em contraponto, acrescentou, com "as medidas do PS são apenas de distribuição, não modificam nada".
Falta ambição ao programa do PS? "Sem dúvida", respondeu o líder da AD. Mas Pedro Nuno ripostou: “Falta é vergonha ao programa da AD”.
"O que está bem agora [na economia portuguesa], já estava bem há um ano. Aliás, estava melhor", acrescentou o secretário-geral do PS, defendendo um novo “relatório Porter” e o que Mario Draghi defende na UE.
Spinumviva, o tema dos temas
Eis que entra no debate o tema dos temas, aquele que nos trouxe até aqui e pelo qual o país vai novamente a eleições a 18 de maio: o caso Spinumviva.
Pedro Nuno Santos acusou Luís Montenegro de não ter “idoneidade” e de ser “o principal fator de instabilidade política em Portugal". O primeiro-ministro respondeu ao líder da oposição que este não tem "autoridade moral” para falar dele.
O líder do PS insiste que o primeiro-ministro continuou a receber, através da sua empresa familiar, dinheiro de outras empresas – e que algumas delas são fornecedoras do Estado, que recebem milhões de euros por esses negócios.
A ajudar à tese, o secretário-geral socialista lembrou que Montenegro fez a reestruturação de uma empresa e recebeu 238 mil euros por isso no ano em que foi eleito presidente do PSD, “sem apresentar prova documental desse trabalho”; que “não declarou todas as contas ao Tribunal Constitucional” e que decorre um inquérito-crime a propósito do investimento em Espinho, no qual Montenegro foi favorável a que a construtora bracarense ABB - que forneceu betão para a casa do próprio Montenegro - recebesse mais dinheiro da autarquia.
Quanto à nova declaração de interesses de Luís Montenegro, conhecida horas antes do debate (e que inclui sete novas empresas para as quais Montenegro prestou serviços) é, aos olhos de Pedro Nuno Santos, "gozar com os portugueses".
"É gozar com quem trabalha o que Montenegro fez", disse, lembrando que o líder da AD já tinha essa informação há dois meses e decidiu atirar o país para eleições.
Afirmando desconhecer a origem da notícia sobre a nova declaração - que foi avançada, esta quarta-feira, pelo Expresso, Luís Montenegro garantiu que só respondeu "a uma solicitação" da autoridade da transparência.
O primeiro-ministro insistiu que não acumulou as funções de chefe do Executivo "com uma única atividade" e que foi transparente logo desde que assumiu, ainda antes, as funções de presidente do PSD.
O líder da AD acusou o adversário de explorar “insinuações gratuitas” para “tirar daí algum dividendo", o que classifica como “lamentável” e um “aproveitamento político inaceitável”.
“Você não tem autoridade moral para falar assim de mim", atirou Luís Montenegro a Pedro Nuno Santos, dizendo-lhe que nunca lhe perguntou quais as entidades públicas que foram clientes da empresa do líder socialista e quanto ganhou com isso.
Na troca, o secretário-geral do PS disse ao presidente social-democrata para não se "vitimizar", porque "a vida não o tratou mal".
"Não podia nunca ter continuado com a sua empresa depois de ter assumido funções como primeiro-ministro", disse Pedro Nuno Santos a Luís Montenegro.
O líder do PS sublinhou que, na pasta de transição do anterior executivo socialista para o atual Governo, estava explícito que havia condições para abrir novo concurso para a concessão de casinos. E que, não tendo sido aberto o durante o mandato de Montenegro, haverá uma prorrogação da concessão que vai beneficiar o grupo Solverde - cliente da empresa familiar do primeiro-ministro -, o que prejudicará o Estado português.
Montenegro levou a peito e contra-atacou: "Nunca forçarei um adversário a expor a sua família numa comissão parlamentar de inquérito (CPI) por aproveitamento político". Mas Pedro Nuno Santos escapou à bala, reiterando aquilo que, desde o princípio, os socialistas afirmaram: a mulher e os filhos de Luís Montenegro nunca serão chamados à CPI.
Privado ou não, as soluções para a Saúde
Polémicas pessoais à parte, Saúde entra em discussão, com Montenegro a elencar a valorização de carreiras como aposta do Governo mas também mecanismos de gestão como PPP (parcerias público privadas) que possam trazer melhorias. ”Se podemos atender melhor as pessoas e libertar mais recursos porque é que não o podemos fazer? Os governos devem prender-se às amarras ideológicas?"
Das "54 medidas" que o Governo apresentou para o setor, "80% das medidas urgentes e prioritárias" estão concluídas. Quanto a médico de família, "sou honesto (...) não vou avançar uma data porque não tenho elementos suficientes para fazê-lo"
Para Pedro Nuno, a aposta no privado já provou que “fracassou” e mais, repetiu, esta é a "área de maior falhançodo Governo de Luís Montenegro". Mas quanto a PPP's afastou qualquer “dogma ideológico” mas esclareceu que “só avança para PPP's com fundamentação”.
“Prefiro dar mais autonomia e flexibilidade de gestão ao nossos hospitais, sem os termos de entregar à gestão de privados”
Para o líder do PS, as carreiras e a atividade no SNS têm de ser mais atrativas, com promoções mais céleres e com melhor conciliação da vida familiar e profissional, além de condições de alojamento os profissionais que vão para centros de saúde onde há mais carência. Mas é também preciso “fazer trabalho junto da comunidade” para evitar hospitalizações da população cada vez mais envelhecida. Isso implica equipas multidiscplinares mas vai, defendeu, aliviar as urgências, que são "o que custa mais ao SNS".
Chamando Fernando Araújo, candidato pelo PS e antigo diretor-executivo do SNS, para a mesa do debate, o socialista designou-o como “um dos nomes mais consensuais” no país neste setor e lançou nova farpa a Montenegro por, no dia do apagão, ter decidido fazer uma comunicação ao país a partir da Maternidade Alfredo da Costa, depois de ter estado em silêncio sobre os problemas das urgências de obstetrícia.
Na resposta ao adversário, Montenegro contra-atacou: "Acusar-me de ter falhado é de facto uma coisa espantosa. Falhei quando em 11 meses fiz acordo que PS não fez em oito anos?"
Socorrendo-se de números, o líder da AD elencou que face ao ano passado, as "urgências tiveram menos 89% de encerramentos, menos 50% nas pediátricas, e menos 46% nas de obstetrícia", e a linha SNS Grávida permitiu que "36.500 atendimentos fosse encaminhados para outras unidades de saúde. O SNS está a diminuir prazos" declarou, apesar de reconhecer, haver ainda "muitos constrangimentos".
O futuro das pensões
As pensões e a estabilidade da Segurança Social foram outro dos pontos em cima da mesa a dividir fortemente os dois candidatos. Pedro Nuno Santos acusou Luís Montenegro de querer privatizar o sistema de pensões, enquanto o primeiro-ministro chutou para o futuro qualquer eventual mudança.
O secretário-geral do PS lembrou o grupo de trabalho criado pelo governo, liderado por Jorge Bravo, que, acusa, “quer entregar o sistema de pensões ao mercado de capital”.
Para Pedro Nuno Santos, o projeto da AD é a privatização parcial do sistema de pensões e isso, assegura, “nunca acontecerá com o PS".
"Será uma das nossas primeiras decisões extinguir o grupo de trabalho para a privatização das pensões", prometeu.
Luís Montenegro respondeu que deu “todas as razões” aos pensionistas para confiarem mais nele do que em Pedro Nuno Santos, depois de ter aumentado pensões “de acordo com critérios da lei".
Acusando o adversário de "falhar muito à seriedade", o líder da AD disse estar simplesmente a analisar as conclusões do estudo deixado pelo antigo governo socialista.
“Não vamos fazer nenhuma alteração ao sistema de Segurança Social", declarou. Só numa próxima legislatura "e se for necessário", acrescentou.
Uma afirmação que serviu a Pedro Nuno Santos para acusar Luís Montenegro de querer mudar o sistema de pensões e de só "não ter coragem" de o fazer.
Para o socialista, o caminho no que toca aos mais velhos passa por aumentar permanentemente as pensões, por aumentar o investimento nos lares que já existem, por criar novos lares e por aumentar os salários dos trabalhadores que cuidam dos idosos.
Habitação: o que os une (e separa)
A Habitação foi mais um dos temas essenciais, ou não estivessem frente-a-frente um antigo ministro responsável pelo setor e o atual chefe do Governo que prometeu resolver o problema para os jovens.
Questionado sobre como se soluciona o drama da falta de casas, Montenegro não hesitou: "executando", lembrando as responsabilidades que Pedro Nuno Santos teve nesta área.
"Chegámos ao Governo e havia um plano de 26 mil novas habitações, mas não havia dinheiro" e "não correspondiam às candidaturas das autarquias". Com financiamento do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] e do OE [Orçamento do Estado], o governo da AD alargou de "26 para 59 mil casas", mas "não produz efeito imediato", argumentou.
Em resposta, o atual líder do PS alegou que a verba disponível no PRR cobria inicialmente todas as 26 mil casas previstas, mas que, com o tempo e a inflação, o custo aumentou.
Montenegro destacou ainda "os incentivos do lado da procura”, como o financiamento bancário dado aos jovens e, sobre o setor privado, sublinhou a aposta em "simplificar, nas vantagens fiscais. Mas o oponente declarou as políticas adotadas no último ano como "contraproducentes”. Pedro Nuno Santos sustenta que não foram acompanhadas por medidas do lado da oferta e que isso acelerou o aumento dos preços das casas. Ainda assim, são medidas que o secretário-geral do PS admite que não tenciona reverter.
Num tiro numa outra direção, Pedro Nuno Santos apontou que o Governo "fala muito dos jovens", mas que foi o governo socialista quem congelou as propinas e estabeleceu um programa para devolvê-las. Programa com que, diz, a AD quer acabar.
"Dá com uma mão, tira com outra", acusou, dizendo ainda que o Governo foi “incompetente na gestão dos apoios ao arrendamento".
Acusando o adversário de ter uma "visão contrária ao investimento" e de ter "ideias que ainda estamos a pagar", Montenegro focou-se no programa de arrendamento Porta 65, reconhecendo dificuldades no pagamento, mas justificando que há mais centenas de candidaturas por mês, após terem sido eliminados critérios que afastavam a população jovem.
Numa coisa ambos concordam: falta casas para a classe média e é preciso intensificar a construção para colmatar essa lacuna. Agora a forma como pretendem fazê-lo é que difere.
O secretário-geral socialista - que atirou que a habitação pública agora inaugurada pelo Governo de Montenegro é construção que foi ordenada pelo próprio, quando era ministro da Habitação - propõe criar uma conta-corrente, financiada pelos lucros da Caixa-Geral de Depósitos (CGD). Os municípios poderão recorrer a essa conta para a construção de casas "a preços que as pessoas possam pagar".
Mas aí o líder da AD deixa um alerta: "Nenhum programa deve estar dependente dos dividendos da CGD, sob pena de poder fracassar em anos em que não há dividendos".
Compromissos para o futuro?
O tema final foi o futuro político em termos práticos: estarão Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro dispostos a viabilizar o Orçamento do Estado dos eventuais governos um do outro? Compromissos assumidos não houve nenhum.
Pedro Nuno Santos insistiu que está concentrado numa vitória nas eleições. Falou em reunir "todos os esforços para dialogar e criar condições de governabilidade”, mas só para haver “um governo que represente uma mudança segura".
"Tudo faremos para ter a estabilidade política que, infelizmente, Luís Montenegro já não consegue dar ao país", declarou.
O líder socialista lembrou que o Presidente da República deverá convidar o partido mais votado a 18 de maio a formar governo. "É por isso que é tão importante que não haja dispersão de votos", insistiu, exaltando querer "derrotar a AD".
Quanto a Luís Montenegro, também falou, durante o tempo todo, sob o cenário de ser vencedor das eleições - e é nesse cenário que admite dialogar com o PS.
“Nunca desistimos do diálogo político a bem da estabilidade do país", ressalvou, apesar de enunciar que a queda do governo se deveu a “tática política”. "Os portugueses têm agora na mão o instrumento para dar ao Governo a estabilidade”, concluiu.