Os que por ali vivem sabem que não são donos da terra e dizem que Svalbard ensina que a natureza e os humanos devem encontrar uma forma de continuar juntos, porque sem a natureza o Homem não tem futuro.
“Se vives em Svalbard tens de ser amigo da natureza. Estamos aqui nas circunstâncias que a natureza nos deu. É um sítio perigoso. Avalanches, tempestades de neve, escuridão, frio. Temos de respeitar a natureza porque pode ser brutal para ti se a ignorares”.
Poucos conhecem como Kim Holmén as profundezas do círculo polar ártico. O conselheiro especial do Instituto Polar Norueguês estuda a região há mais de 40 anos.
Arquipélago a “escaldar”
No arquipélago norueguês, a pouco mais de mil quilómetros do Polo Norte, a temperatura subiu quatro graus nos últimos 50 anos. Svalbard está a aquecer a um ritmo seis vezes superior ao da média global.
“Para onde quer que olhe, vejo mudança. Os glaciares reduziram. O fiorde costumava congelar no inverno, mas há 12 anos que não congela. A temperatura do solo está a mudar. O ártico de há 30 anos já não é o mesmo”.
Contam também que perderam algumas coisas para sempre, como espécies animais que desapareceram. Em Svalbard, as marcas das alterações climáticas estão por todo o lado. Na natureza, mas também na maior cidade do arquipélago, Longyearbyen.
Trinta graus negativos e quatro meses de escuridão
Encaixada num vale, a localidade teve de se rodear de estruturas de proteção contra as avalanches que, nos últimos anos, fizeram várias vítimas.
Neste clima extremo, onde as temperaturas ultrapassam os 30 graus negativos e há quatro meses de escuridão total, uma cidade com 2400 pessoas é prova da capacidade de adaptação do ser humano.
Longyearbyen, com uma rua principal e meia dúzia de transversais, é a comunidade permanente mais setentrional do mundo. Tem creches, escolas, um polo universitário, aeroporto, turismo e pleno emprego. A partir dali não há voos comerciais, até ao Polo Norte estende-se uma imensidão gelada.
“Svalbard é muito especial. Natureza intocada. Podes viajar durante meses por terra e não vês humanos.”
Quando Efren Regato chegou a Svalbard, há 11 anos, os filipinos ainda não representavam a maior comunidade estrangeira, onde convivem mais de 50 nacionalidades. Para trabalhar no arquipélago não é preciso visto, os salários são altos e os impostos baixos. Efren, como quase todos os asiáticos, trabalha nas limpezas, mas criou a sua própria empresa.
“O meu salário aqui equivale ao de um membro do governo nas Filipinas. O senador ou algo assim, dos salários mais altos. Não como alguém das limpezas”.
Hospital com apenas duas camas
Como a maior parte dos que ali vivem, Efren sabe que terá de voltar para casa. Svalbard é uma passagem, um lugar onde é proibido nascer e morrer.
“Não podes planear dar à luz nem morrer aqui porque não temos os serviços. O hospital tem apenas duas camas e estão destinadas a situações urgentes. As grávidas são obrigadas a deixar o arquipélago quatro semanas antes do parto. Os doentes graves são encaminhados para a Noruega continental”.
Há quase sete décadas que os enterros foram proibidos em Svalbard, desde que os investigadores descobriram que os corpos não se decompõem devido ao permafrost, a camada de gelo do subsolo. Há receios de que o degelo traga à superfície bactérias adormecidas dentro dos corpos.
Foi o que aconteceu na Sibéria, em 2016, quando um surto de antraz vitimou várias crianças. Na altura, temperaturas invulgarmente elevadas provocaram o descongelamento da carcaça de uma rena que morrera com a doença há várias décadas.
Uma terra sem dono
Descoberto pelos holandeses no final do século XVI, Svalbard foi, durante quase 300 anos, um território sem dono. Não tinha leis nem tribunais. Enquanto as atividades principais foram a caça e a pesca, os conflitos eram raros, ainda que convivesse lá gente de várias nacionalidades.
No início do século XX, descobriu-se que a zona era rica em carvão. Os humanos foram à procura de recursos, mais do que de beleza. Minas, caça, caça às baleias, no início foram sempre procurar recursos, mais do que preservar.
A corrida à exploração mineira levou à assinatura do Tratado de Svalbard, em 1920. A soberania do território foi entregue à Noruega, mas os países que assinaram o documento - hoje, mais de 40 - ficaram com direitos iguais no acesso aos recursos naturais da região.
A Rússia está lá desde o início. É o único estado, para além da Noruega, que mantém atividades económicas no arquipélago, com uma cidade mineira em funcionamento e outra desativada, ambas integradas em circuitos turísticos.
Em 2021, depois da invasão da Ucrânia, a Noruega impôs um embargo às empresas que Moscovo detém em Svalbard. A ligação entre as duas cidades russas e a capital do arquipélago é agora assegurada por um único barco de turismo, que faz a rota pelos glaciares.
O inverno polar
Em outubro, com o inverno polar à porta, Svalbard começa a perder 15 minutos de luz por dia, até que a noite se instala. As viagens de barco são suspensas e só é possível viajar na tundra em motas de gelo.
As temperaturas começam igualmente a cair. Com o vento, a sensação térmica é nesta altura de -10 graus. O frio é um desconforto permanente, mas a paisagem compensa.
“Quando a época escura começa as pessoas procuram-se mais umas às outras. E somos mais observadores nessa altura porque sabemos que influencia os nossos corpos não ter sol. Algo acontece nos nossos corpos. Desafio também para o estado mental”.
A reverenda mantém a igreja aberta 24 horas por dia, sete dias por semana. Siv Limstrand quer que o edifício seja um espaço de todos num lugar onde poucos pertencem.