
Israel e Irão travam há mais de quatro décadas uma guerra sem tréguas, mas sobretudo nas sombras. A rivalidade agravou-se nos últimos anos e atingiu um novo pico após os ataques de 7 de outubro de 2023. Mas nem sempre foi assim: durante três décadas, os dois países mantiveram relações estreitas.
Israel e Irão cultivavam laços estreitos desde a fundação do Estado judaico em 1948. Embora se tenha oposto ao plano de partilha da Palestina em 1948, o Irão foi o segundo país islâmico, depois do Egito, a reconhecer o Estado de Israel. Mas com a Revolução Islâmica de 1979, Israel e Irão tornaram-se inimigos.
O novo regime islâmico dos ayatollahs culpou os Estados Unidos e Israel pelos problemas na região. O confronto tornou-se uma das principais fontes de instabilidade no Médio Oriente. Para Teerão, Israel é o "Pequeno Satã", e os Estados Unidos o "Grande Satã".
Israel acusa o Irão de financiar grupos "terroristas" e de realizar ataques contra os seus interesses, motivados pelo anti-semitismo dos ayatollahs.
A rivalidade entre estes "inimigos jurados" resultou num número considerável de mortes, muitas vezes como resultado de ações secretas pelas quais nenhum dos governos admite responsabilização.
As tensões entre os dois países, no entanto, atingiram níveis sem precedentes desde os ataques de 7 de outubro de 2023 do movimento radical palestiniano Hamas contra Israel, que mataram 1.200 pessoas e desencadearam a atual guerra em Gaza.
No entanto, ao longo da história, estes dois países nem sempre estiveram em conflito.
Uma aliança esquecida: o Irão pró-Ocidente e amigo de Israel
Entre 1948 e 1979, o Irão foi um dos aliados mais próximos de Israel no Médio Oriente. Sob o regime monárquico do Xá Mohammad Reza Pahlavi, Teerão reconheceu o Estado judaico e cooperou com Telavive em várias áreas, incluindo segurança e energia.
A amizade estratégica foi promovida por David Ben-Gurion, primeiro-ministro de Israel, que via no Irão uma ponte com o mundo islâmico e uma forma de contrariar o isolamento imposto pelos vizinhos árabes.
Mas tudo mudou em 1979.
A Revolução Islâmica e a rutura com o Ocidente
O Irão, sob o governo do seu monarca pró-ocidental, Xá Mohammad Reza Pahlavi, mantinha boas relações com Israel. Mas em 1978 o reinado do Xá estava a desmoronar-se, a sua base de poder colapsou e o Xá fugiu para o estrangeiro com a sua família em janeiro de 1979.
Semanas depois, o ayatollah Ruhollah Khomeini, um clérigo xiita radical, regressou de Paris após anos de exílio para assumir o poder e transformar o Irão num Estado islâmico. Rompeu imediatamente todos os laços com Israel. Com os revolucionários a invadirem a embaixada israelita, os restantes diplomatas do país foram obrigados a fugir, tendo a sorte de escapar do Irão com vida.
Khomeini apropriou-se da causa palestiniana como uma bandeira anti-imperialista e pan-islâmica, num gesto de rutura com o Ocidente, e as grandes manifestações pró-palestinianas tornaram-se comuns em Teerão.
Uma "guerra nas sombras" entre Israel e o Irão
Durante a guerra entre o Irão e o Iraque (1980-1988), Israel chegou a facilitar o envio de armas para Teerão, num episódio conhecido como o escândalo Irão-Contras, o programa secreto através do qual os Estados Unidos desviaram armas para o Irão para serem utilizadas na sua guerra contra o vizinho Iraque.
Mas, com o tempo, Israel começou a ver o Irão como uma das principais ameaças à sua existência e a rivalidade entre os dois países passou das palavras às ações. Os dois países envolveram-se numa guerra não declarada - uma "guerra nas sombras" - feita de ataques secretos, assassinatos seletivos, bombardeamentos a aliados e ações cibernéticas.
Teerão aposta na rede de aliados - os proxys
Consciente do seu isolamento, o Irão - persa e xiita num mundo predominantemente sunita e árabe-islâmico - criou uma rede de aliados armados no Médio Oriente. O Hezbollah, no Líbano, é o mais conhecido, mas o "eixo da resistência" inclui também milícias no Iémen (Houthis), Síria, Gaza (Hamas) e Iraque.
Com apoio financeiro, logístico e militar iraniano, estes grupos têm sido uma peça central na estratégia de Teerão para projetar influência e atacar Israel por interpostas forças - os chamados proxys.
Mas este "eixo da resistência" tem sofrido sérios reveses nos últimos meses, com a queda do governo de Bashar al-Assad na Síria e o enfraquecimento do Hamas e do Hezbollah nas guerras em Gaza e no Líbano.
Israel contra-ataca: espionagem, drones e ciberataques
Do lado israelita, espionagem, sabotagem, bombardeamentos seletivos e ataques informáticos têm sido usados para travar o avanço iraniano, sobretudo no campo nuclear. O vírus Stuxnet, que sabotou centrifugadoras nucleares iranianas na década de 2000, é amplamente atribuído a uma operação conjunta israelita e norte-americana.
Israel nunca escondeu o seu objetivo: impedir que Teerão desenvolva uma arma atómica e não acredita nas alegações do Irão de que o seu programa se destina exclusivamente a fins civis
Entre as ações mais dramáticas estão os assassinatos de cientistas nucleares iranianos e os bombardeamentos a posições iranianas na Síria.
Síria, Líbano: o campo de batalha alargado
A guerra civil síria tornou-se outro palco da rivalidade. Os serviços de informação ocidentais referem que o Irão enviou dinheiro, armas e instrutores para apoiar as forças do presidente Bashar al-Assad contra os insurgentes que procuram derrubá-lo. Isto gerou alarme dentro do governo israelita, que acreditava que a vizinha Síria era uma das principais rotas através das quais os iranianos estavam a canalizar armas e equipamento para o Hezbollah libanês.
A "guerra das sombras" chegou ao mar em 2021. Nesse ano, Israel acusou o Irão de ser responsável pelos ataques a navios israelitas no Golfo de Omã. O Irão, por sua vez, acusou Israel de atacar os seus navios no Mar Vermelho.
Em 1992, o grupo Jihad Islâmica, afiliado do Irão, bombardeou a embaixada israelita em Buenos Aires, matando 29 pessoas. Pouco antes disso, o líder do Hezbollah, Abbas al-Musawi, foi assassinado num ataque atribuído aos serviços de informação israelitas.
O ataque de 7 de outubro e a escalada de 2024
A rivalidade chegou a um novo patamar com o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, que matou 1.200 pessoas. Desde então, Israel tem combatido os aliados iranianos em vários pontos: o Hamas em Gaza, o Hezbollah no Líbano e os Houthis no Iémen.
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Mas os confrontos diretos entre Irão e Israel só se concretizaram meses depois.
Até abril de 2024, o Irão e Israel tinham evitado qualquer escalada de hostilidades ou combates em grande escala. Isso mudou com Israel a atacar a sede diplomática iraniana em Damasco, matando 13 pessoas, incluindo altos comandantes da Guarda Revolucionária como o general Mohammad Reza Zahedi e o seu adjunto, Hadi Haji-Hajriahimi.
A resposta de Teerão com o lançamento de dezenas de mísseis e drones ocorreu a 13 de abril, e Israel respondeu com outro ataque em solo iraniano a 19 de abril.
Desde então, sucedem-se os ataques diretos e indiretos entre os dois países, elevando a tensão a níveis sem precedentes.
A ofensiva israelita lançada a 13 de junho contra o Irão marca uma nova fase, ainda mais imprevisível e perigosa, nesta rivalidade com décadas de história.
Com agências e Enciclopédia Britannica