O ataque atingiu o terceiro andar do hospital, cujo depósito de combustível se situa imediatamente acima da zona de incêndio e ocorreu numa fase em que a ajuda humanitária tarda a chegar ao norte do enclave palestiniano, após mais de dois meses de bloqueio total, perante uma situação que as Nações Unidas referem estar a atingir "níveis catastróficos" de insegurança alimentar.

"Ontem [quinta-feira], voltaram a bombardear o terceiro andar. Atacaram o nosso armazém central", disse Salha à agência noticiosa espanhola EFE, numa mensagem áudio, dando conta que os geradores também se encontram acima da linha de fogo.

Se o fogo atingir o depósito de combustível, "será um desastre", alertou, ao som de um rugido constante de fundo.

No hospital, segundo Salha, permanecem 16 doentes, 11 acompanhantes e 131 funcionários, três dos quais ficaram feridos em ataques de drones israelitas contra as instalações.

Hoje à tarde, os bombeiros do serviço de emergência da Defesa Civil da Faixa de Gaza deslocaram-se a Al-Awda para tentar extinguir o incêndio, que já dura há dois dias e ardia descontroladamente.

Num vídeo partilhado pela Quds News Network, um dos bombeiros explicou que o acesso a Jabalia depende de coordenação com o Comité Internacional da Cruz Vermelha.

Esta situação decorre de o norte de Gaza ser uma "zona vermelha", sujeita a ordens do Exército israelita, pelo que circulação exige coordenação com as autoridades, gerida neste caso pela Cruz Vermelha.

Pelo menos 81% da Faixa de Gaza fazem agora parte das "zonas proibidas" controladas por Israel, sujeitas a ordens de evacuação emitidas pelo Exército ou por serem "áreas militarizadas" sob o seu controlo, de acordo com o escritório das Nações Unidas para a coordenação de assuntos humanitários (OCHA).

Salha disse que os funcionários do hospital continuam a prestar serviços aos que ainda estão internados, apesar de estarem "completamente cercados" há cinco dias, descrevendo as carências alimentares.

"Não tomamos o pequeno-almoço. Só comemos depois das quatro, distribuímos arroz, mas não é suficiente. Ao jantar, comemos pão. Às vezes, feijão se tivermos muita sorte, atum [de lata] com zaatar [mistura de especiarias]... mas não temos muito", descreveu.

Este é o quarto cerco a Al-Awda desde que Israel lançou a sua ofensiva em grande escala na Faixa de Gaza, em outubro de 2023, contra o grupo islamita palestiniano Hamas.

O Hamas condenou o bombardeamento do hospital e o incêndio como "uma nova tentativa de atacar o setor da saúde e destruir o que resta dele".

Israel permitiu que a ajuda internacional voltasse a entrar no território esta semana, tendo o Cogat, a agência do Ministério da Defesa responsável pelos assuntos civis nos territórios palestinianos, indicado que 107 camiões foram autorizados na quinta-feira.

No entanto, 15 camiões do Programa Alimentar Mundial (PAM) foram saqueados durante a última noite quando se dirigiam para o sul do enclave com vista a abastecer padarias agora reabertas, num caso enquadrado pela agência da ONU como um resultado da "fome, desespero e ansiedade" da população.

Philippe Lazzarini, chefe da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA), recordou por seu lado que, durante a trégua de seis semanas quebrada em março por Israel, entravam diariamente entre 500 e 600 camiões.

"Ninguém deve ficar surpreendido ou chocado ao ver cenas onde ajuda preciosa está a ser saqueada, roubada ou 'perdida'", escreveu na rede X, lamentando que "o povo de Gaza está a morrer de fome há mais de onze semanas".

O PAM insistiu aliás no pedido a Israel para que permita "a entrada de volumes muito maiores de ajuda alimentar, e mais rapidamente", no seguimento de apelos insistentes das Nações Unidas de que as autorizações atuais são bastante insuficientes.

"Finalmente, a ajuda humanitária está a chegar", comentou hoje o secretário-geral da ONU, mas o que Israel permitiu foram "apenas umas colheres quando era necessário um dilúvio".

Referindo-se à "fase mais cruel" do conflito, António Guterres informou que quase 400 camiões foram autorizados a entrar na Faixa de Gaza nos últimos dias através da passagem fronteiriça de Kerem Shalom, mas apenas 115 conseguiram recolher os bens para distribuição, além de que "nada chegou ao norte sitiado".

Ao mesmo tempo, o secretário-geral da ONU voltou a condenar a intensificação da ofensiva militar israelita, "com níveis atrozes de morte e destruição", sublinhando que 80% do território está agora fora do alcance da população.

A Defesa Civil da Faixa de Gaza relatou pelo menos 16 mortes hoje em "ataques israelitas em diversas zonas" do território, no seguimento da nova campanha militar aérea e terrestre lançada no passado fim de semana, com o objetivo declarado de recuperar os reféns em posse do Hamas, tomar todo o enclave e empurrar os habitantes para sul.

O conflito foi desencadeado pelos ataques do Hamas em 07 de outubro de 2023 no sul de Israel, onde fizeram cerca de 1.200 mortos, na maioria civis, e mais de duas centenas de reféns.

Em retaliação, Israel lançou uma operação militar na Faixa de Gaza, que já provocou mais de 53 mil mortos, segundo as autoridades locais controladas pelo Hamas, a destruição de quase todas as infraestruturas do território e a deslocação forçada de centenas de milhares de pessoas.

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