O Arcebispo da Cantuária, Justin Welby, demitiu-se nesta terça-feira na sequência de um inquérito que acusa a Igreja Anglicana, nomeadamente o próprio líder religioso, de encobrir agressões físicas e sexuais em campos de férias para jovens cristãos durante décadas. "É muito claro que devo assumir a responsabilidade pessoal e institucional pelo longo e traumatizante período entre 2013 e 2024", justificou o líder religioso, numa declaração na qual anunciou a sua renúncia.
"Espero que esta decisão torne clara a seriedade com que a Igreja de Inglaterra entende a necessidade de mudança e o nosso profundo empenho em criar uma igreja mais segura", vincou. Inicialmente determinado em manter-se em funções, Justin Welby, chefe da Igreja de Inglaterra e líder espiritual da Comunhão Anglicana mundial, demitiu-se após um coro crescente de críticos e apelos à sua saída nos últimos dias.
Na segunda-feira, Helen-Ann Hartley, bispo de Newcastle, disse que a posição de Welby era "insustentável", depois de alguns membros da assembleia nacional da Igreja terem lançado uma petição pedindo-lhe que se demitisse por ter "perdido a confiança do seu clero".
Em declarações à estação britânica pública BBC, o reitor da capela do King's College de Cambridge, Stephen Cherry, afirmou hoje que "a dor na comunidade de vítimas" e "a história de não ouvir as pessoas e não responder às pessoas que são profundamente prejudicadas por aqueles em posições de poder" significa que Welby "não é mais uma pessoa que pode desempenhar o papel representativo desse cargo".
Mas os protestos mais fortes vieram de vítimas do falecido John Smyth, um advogado proeminente que abusou de rapazes adolescentes e jovens em campos de férias cristãos no Reino Unido, Zimbabué e África do Sul durante cinco décadas.
Andrew Morse, que foi repetidamente espancado por Smyth durante um período de cinco anos, disse que a demissão era uma oportunidade para Justin Welby começar a reparar os danos causados pela forma como a Igreja lidou com os casos históricos de abuso.
Na quinta-feira passada, a Igreja divulgou os resultados de uma investigação independente sobre Smyth, que abusou sexualmente, psicologicamente e fisicamente de cerca de 30 rapazes e jovens no Reino Unido e 85 em África, a partir da década de 1970.
O relatório independente de 251 páginas conduzido por Keith Makin concluiu que Justin Welby não denunciou Smyth às autoridades quando foi informado dos abusos em agosto de 2013, pouco depois de se ter tornado Arcebispo da Cantuária.
Na semana passada, Welby assumiu a responsabilidade por não ter assegurado que as alegações fossem investigadas de forma tão "enérgica" como deveriam ter sido depois de ter tido conhecimento dos abusos, mas respondeu que tinha decidido não se demitir. Na segunda-feira, o gabinete de Welby emitiu um comunicado reiterando essa posição e expressando o seu "horror perante a dimensão do abuso flagrante de John Smyth".
Os responsáveis da Igreja tiveram conhecimento dos abusos em 1982, quando receberam os resultados de uma investigação interna sobre Smyth, e "participaram num encobrimento ativo" para evitar que as conclusões viessem à luz do dia, concluiu ainda o relatório publicado na semana passada.
Smyth mudou-se para o Zimbabué em 1984 e mais tarde para a África do Sul e continuou a abusar de rapazes e jovens nos dois países até à sua morte em agosto de 2018. Os abusos só foram tornados públicos por uma reportagem da estação de televisão britânica Channel 4 em 2017, o que levou a polícia de Hampshire a abrir uma investigação. A polícia estava a preparar-se para extraditar Smyth para o interrogar quando ele morreu.