O Tribunal Constitucional (TC) de Espanha declarou, esta quinta-feira, que lei de amnistia para independentistas catalães aprovada pelo Parlamento no ano passado não viola a Constituição. O primeiro-ministro Pedro Sánchez reagiu à decisão dizendo que é uma “magnífica notícia” para a convivência no país.

“É uma magnífica notícia para Espanha, para a convivência, para a coexistência”, disse o governante socialista aos jornalistas, em Bruxelas, à entrada para uma reunião do Conselho Europeu.

O TC revelou, em comunicado, que o plenário de juízes deu aval à lei “de amnistia para a normalização institucional, política e social na Catalunha”, com seis votos a favor e quatro contra. A deliberação foi uma resposta a um recurso enviado pelo Partido Popular (PP, direita), a maior força da oposição em Espanha e o partido com mais deputados no parlamento nacional.

Para Pedro Sánchez, também líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda), está a fechar-se “uma crise política que nunca devia ter saído da política” para o âmbito judicial.

Sánchez criticou, neste contexto, os governos do PP por “terem renunciado à política” na resposta “à crise territorial e constitucional que Espanha viveu desde 2011” e que culminou com um referendo ilegal sobre a autodeterminação da Catalunha e uma declaração unilateral de independência em outubro de 2017, suspensa pouco depois.

“A política é isto, uma alavanca de transformação e de resolução e apresentar soluções para conflitos muito difíceis como o que atravessou Espanha e a Catalunha internamente durante esses anos difíceis, em particular, no ano de 2017”, acrescentou Sánchez.

O ex-primeiro-ministro socialista Felipe González (1982-96) considerou a amnistia um ato de corrupção política e afirmou que não votará no PSOE se Sánchez for candidato às próximas legislativas, noticiou o jornal “El País”. Afasta também a possibilidade de voto no PP. “Não considero isso, porque não vi que [Alberto Núñez Feijóo] tenha um projeto para o país [...] Tenho uma crise de orfandade representativa. Vou votar em branco”, afirmou.

Ex-primeiro-ministro socialista de Espanha Felipe González
Ex-primeiro-ministro socialista de Espanha Felipe González Luis Barron/Eyepix Group/Future Publishing/Getty Images

González criticou o papel, na negociação com os separatistas catalães, de Santos Cerdán, ex-dirigente do PSOE que está a ser investigado por indícios de corrupção. “O negociador era Santos Cerdán, que é um grande especialista em matéria constitucional. É um grande especialista. Quem redigiu esta lei da amnistia? É uma auto-amnistia de um grupo que não está disposto a aceitar as regras do jogo”, lançou.

Tribunal defende objetivo de “facilitar um cenário de reconciliação”

Segundo o comunicado do TC, a sentença aprovada esta quinta-feira considera que a lei de amnistia para os envolvidos na tentativa de autodeterminação da Catalunha respeita a Constituição espanhola, o estado de direito e a separação de poderes, ao mesmo tempo que “responde a um fim legítimo, explícito e razoável”.

A amnistia “tem como propósito reduzir a tensão institucional e política” gerada pelo processo independentista e “facilitar um cenário de reconciliação” e “de normalização” na região, defende a sentença do TC, segundo o mesmo comunicado.

Foi uma exigência dos partidos independentistas Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e Juntos pela Catalunha (JxC, do ex-presidente regional Carles Puigdemont) para viabilizarem o atual Governo do socialista Sánchez, em novembro de 2023. As eleições de julho desse ano foram vencidas pelo PP, mas Feijóo não conseguiu viabilização parlamentar como candidato à chefia do Executivo.

A lei foi aprovada pelo parlamento em 30 de maio de 2024 e determina a amnistia de separatistas da Catalunha condenados, acusados ou procurados pela justiça por causa da tentativa de autodeterminação da região que culminou com o referendo ilegal e a declaração unilateral de independência em 2017.

Sentença sem menção concreta a Puigdemont

Apesar de ter o apoio da maioria dos catalães, esta amnistia dividiu os espanhóis, como demonstram todas as sondagens, assim como magistrados e juristas. Levou dezenas de milhares de pessoas às ruas, em 2023 e 2024, em manifestações convocadas pelo PP e pelo Vox (extrema-direita).

A amnistia já foi concedida a vários dos envolvidos na tentativa de autodeterminação da Catalunha, mas os juízes continuam a recusá-la a alguns protagonistas políticos do processo de 2017, incluindo Puigdemont, que vive na Bélgica desde 2017 para escapar à justiça espanhola.

No caso de Puigdemont, o Tribunal Supremo de Espanha já confirmou diversas vezes que não lhe aplicará a amnistia, argumentando que a lei não abrange o crime de peculato (desvio de fundos públicos) de que está acusado.

A acusação por peculato decorre do uso de verbas públicas para a organização da consulta popular ilegal sobre a independência da Catalunha, em outubro de 2017, quando Puigdemont era presidente do governo autonómico.

A lei estipula que não são amnistiáveis os crimes de peculato quando tenha havido “propósito de obter benefício pessoal de caráter patrimonial”. É esta a justificação usada pelo juiz para recusar a aplicação a Puigdemont, no que os advogados do independentista consideram ser uma “grotesca arbitrariedade” do magistrado.

O Supremo invocou que a lei de amnistia não estabeleceu que todos os crimes de peculato cometidos para organizar o referendo fossem amnistiáveis e que os acusados “decidiram imputar aos fundos públicos fornecidos pelos contribuintes os custos” da consulta, o que foi ilegal, contrariou a Constituição espanhola e o Estatuto da Catalunha e não cabia nas competências do governo autonómico.

A recusa do Supremo em aplicar a amnistia a Puigdemont e outros políticos catalães é contestada pelo Ministério Público e alvo de recursos no Tribunal Constitucional, em relação aos quais esta instância deverá pronunciar-se depois do verão.

Assim, a sentença aprovada pelo TC não se refere em concreto a este caso de peculato nem a Puigdemont, que não constava do recurso apresentado pelo PP.