
Nas últimas décadas, os portugueses habituaram-se à ideia do candidato presidencial orbital. Explico: o candidato visto pelos eleitores, e pelos restantes contendentes à presidência, como predestinado a vencer, pelo contexto, pela sua história ou pelo seu mérito inquestionável. Foi assim Cavaco Silva; foi assim Marcelo Rebelo de Sousa.
Hoje o cenário é outro. A ideia do candidato presidencial orbital morreu de causas naturais. Por um lado, as figuras ligadas à consolidação da democracia portuguesa, orbitais por excelência, vão desaparecendo pela ditadura do tempo. Por outro lado, às figuras que marcaram a vida política do país, nos tempos mais recentes, pouco diz a cadeira de Presidente.
Começo pelas últimas, leitor. Em condições naturais, Passos Coelho e António Costa seriam os candidatos. Polarizariam o debate e a votação. Confrontariam o país com a escolha entre duas figuras de relevo na vida nacional, um a partir da direita, outro a partir da esquerda. Acontece que nenhum deles, conhecendo o papel fazedor de primeiro-ministro, deseja o papel mediador e cerimonial de Presidente da República.
Faltando os contendentes de primeira linha, surgem os de segunda e de terceira. Não me interprete mal: são figuras que o país conhece e, de parte a parte, valoriza. Mas não são excecionais, como o número de candidatos oficiais e oficiosos demonstra. O que é, para mim, um paradoxo, pois os tempos o são. E são excecionais pelo que hoje carateriza a vida política portuguesa: a disrupção.
É a instabilidade e a novidade que hoje pautam o cenário político. E não só na vida parlamentar e no comportamento dos partidos, mas também nos procedimentos formais e no funcionamento das instituições. Precisamente onde o Presidente da República, guardião da Constituição, mais tem a dizer e a fazer.
Nos próximos anos, a figura de Presidente terá um revés. O quadro é outro. O Chega é hoje líder da oposição e o Partido Socialista está ainda em reorganização. O sistema partidário alterou-se como nunca, desde 1974, o que coloca desafios ao principal poder informal do Presidente: o famoso magistério de influência. A influência do Presidente, em tempos de mau olhado para as instituições tradicionais da democracia, perdeu alcance.
Também as formas de comunicação se alteraram por completo. Se antes se prestigiava a intermediação pelos órgãos de imprensa e pelos canais oficiais do Estado, hoje a comunicação é o mais direta possível, pessoa a pessoa, pelas redes sociais. Neste plano, o tradicional papel de liderança da opinião pública, por parte do Presidente da República, tem desafios à porta.O que não implica arrombá-la; implica ajustes. De forma e de imagem.
Espera-se um Presidente de palavra mais rara, para que a valorize mais, e mais contido nos comportamentos públicos. É o que acho, leitor: os portugueses não desejam um anti-Marcelo; desejam um alter-Marcelo. Um modelo alternativo e não a sua negação completa, pois ainda prezam um Presidente moderado e central no espectro político, como Marcelo, querendo outro modus operandi que não o seu. É nesse plano que os principais candidatos, oficiais e oficiosos, se apresentam. Moderados, sim, mas distantes de Marcelo na forma hiperativa.
Perdendo-se a lógica do candidato presidencial orbital, vencedor à partida e dominador da discussão, surge um caminho de primárias. Pelo voto popular, filtrar-se-ão os candidatos para uma segunda volta em que a escolha se resume a este ou aquele. Com nomes ainda por definir, serão diferentes em tudo, menos num parâmetro. Em tempos de vida política incandescente, quer-se um Presidente com gelo nos pulsos. Estável e previsível. Mais dos bastidores que do palco. Por isso, as novas presidenciais serão a alta temperatura, mas não o resultado.
No fim, julgo que o que tem que ser terá muita força: os serenos quadros de Eduardo Viana terão a companhia de um novo Presidente ameno.