
Durante várias semanas, equipas da Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Noroeste da Nigéria trabalharam para conter um surto de meningite, providenciando cuidados a centenas de pacientes, ao mesmo tempo que apoiavam uma campanha de vacinação – uma resposta que contribuiu significativamente para salvar vidas e reduzir o número de casos.
Para imensos homens, mulheres e crianças no Noroeste da Nigéria, o mês de fevereiro de 2025 começou de forma inesperada: uns tiveram convulsões, enquanto outros ficaram, pura e simplesmente, inconscientes. O que é certo é que, para todos os afetados, as causas desta doença aparentemente misteriosa não eram bem claras.
“Acordei de manhã a sentir dor no pescoço e nas costas, e senti a minha perna presa”, descreve Aisha Faruq, paciente com 26 anos. “Lembro-me vagamento do que aconteceu a seguir: fui para a escola, mas depois simplesmente desmaiei. Quando acordei, estava aqui”, conta Aisha, referindo-se ao Hospital Geral de Gwandu, apoiado pela MSF, em Kebbi – o estado situado no extremo Noroeste da Nigéria.
À medida que os hospitais iam ficando sobrecarregados de pacientes, educadores de saúde da MSF chegavam às comunidades mais assoladas, para sensibilizar e encaminhá-las até instalações apoiadas pela organização.
“No início, as pessoas pensavam que tinham contraído malária, por sentirem febre e dores de cabeça”, avança David Musa, educador de saúde da MSF em Gwandu. “Porém, certos sintomas específicos, como rigidez muscular na zona do pescoço, ou edemas cerebrais nas crianças, alertaram os profissionais de saúde de que se tratava de algo diferente.”
Pouco tempo depois, a causa foi oficialmente confirmada: o crescente número de pacientes nas instalações de saúde dos estados de Kebbi e Sokoto estava a ser provocado por um surto de meningite.
Surtos recorrentes no "cinturão da meningite", cuidados atempados são vitais
A meningite é considerada uma grande ameaça para a saúde pública: todos os anos, ocorrem mais de 2 milhões de casos por todo o mundo, com mais de 200 mil mortes ligadas à doença.
Do Senegal à Etiópia, têm sido registados surtos recorrentes de meningite, o que é problemático visto ser altamente letal, se não for tratada: vários estudos indicam que 50 a 80 por cento dos pacientes podem morrer sem cuidados médicos adequados. A doença é tão prevalente na vasta área entre esses dois países, que ficou conhecida como “o cinturão da meningite”.
Pode ser provocada por infeções virais ou bacterianas, e propagar-se de pessoa para pessoa por gotas respiratórias, secreções faríngeas ou contaminação fecal. A meningite bacteriana – bastante comum na Nigéria – é a estirpe mais perigosa da doença, podendo causar a inflamação dos tecidos à volta do cérebro e da medula espinal.
Para apoiar as autoridades na resposta a este grave surto, as equipas da MSF nos estados de Kebbi e Sokoto organizaram prontamente uma resposta de emergência, com o envio de profissionais e de provisões até às áreas mais afetadas, expandido ao mesmo tempo a capacidade de várias instalações e capacitando médicos e enfermeiros dos ministérios estatais de saúde. Em paralelo, foram também desenvolvidas campanhas de consciencialização.
“Em Kebbi, onde foram reportados a maioria dos casos, atendemos mais de 500 pacientes só nos primeiros 12 dias da resposta, nas zonas governamentais locais de Gwandu, Jega e Aliero”, frisa o coordenador de emergências da MSF em Kebbi, Sham'un Abubakar. "Mesmo com as macas adicionais que instalámos, tivemos de colocar colchões no chão para acomodar o excesso de pacientes."
Durante as nove semanas que se seguiram, foram internados 2095 pacientes de meningite em unidades apoiadas pela MSF em Kebbi.
Já no estado vizinho de Sokoto, as equipas da MSF prestaram apoio na gestão de casos, no fornecimento de provisões médicas e na capacitação de profissionais em cinco centros de saúde primária e em dois hospitais gerais na área de Tambuwal.
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No início de maio, profissionais da organização médica e humanitária tinham já tratado 800 pacientes com meningite em instalações apoiadas pela MSF.
Apesar de poder afetar pessoas de todas as faixas etárias, uma grande parte dos casos de meningite ocorre em crianças com idades compreendidas entre 1 e 15 anos. Por terem um sistema imunitário mais frágil, as crianças com menos de 5 anos correm riscos acrescidos, incluindo o risco de morte.
“Infelizmente, quem sobrevive à doença continua a correr o risco de desenvolver problemas neurológicos e cognitivos a longo-prazo”, explica Sham'un Abubakar. “Os pacientes podem sofrer posteriormente perda de audição, problemas de visão e até mesmo convulsões, bem como um aumento da pressão no crânio e no cérebro. Muitas pessoas ficam também em risco de sofrer um AVC.”
Com apenas 10 meses de idade, Sha'ayau foi internada no Hospital Geral de Jega no final de abril. Apresentava sintomas característicos de meningite, como edema cerebral. Por isso, assim que recebeu alta foi encaminhada até um especialista para avaliar possíveis complicações neurológicas.
"O irmão mais velho dela foi hospitalizado [devido à meningite] há umas semanas," conta a mãe, Saratu Hamza. "Mas agora está surdo.”
Campanha de vacinação em massa
Embora seja fundamental um tratamento rápido e adequado para evitar mortes e consequências graves a longo prazo, só é possível combater eficazmente um surto de meningite com a vacinação do maior número de pessoas possível, de modo a quebrar a cadeia de transmissão.
“A vacinação em massa é essencial, porque dá imunidade contra a doença durante os próximos cinco a oito anos, reduzindo significativamente o risco de infeção, até mesmo no caso de outro surto”, explica o Dr. Abubakar.
No estado de Kebbi, as equipas da MSF colaboraram com a UNICEF e a Organização Mundial da Saúde para apoiar o Ministério da Saúde na realização de uma campanha de imunização e, em apenas uma semana, quase meio milhão de pessoas foram vacinadas, dois terços delas com menos de 15 anos.
Apesar de estarem ainda a ser contabilizados os dados oficiais, o Centro de Controlo de Doenças da Nigéria registou mais de 4 mil casos de meningite em todo o país, entre o início do mês de fevereiro e o início de maio. Cerca de 70 por cento desses casos foram tratados em instalações apoiadas pela MSF nos estados de Kebbi e Sokoto.
Hoje, devido em parte à resposta atempada e eficaz da MSF, o número de casos em ambos os estados diminuiu e as nossas equipas puderam reduzir gradualmente as ações de emergência e voltar às atividades médicas regulares, continuando a apoiar os profissionais do Ministério da Saúde.