É muito raro, mas irá acontecer. Em Felgueiras, por estes dias, vive-se uma rivalidade diferente no futebol português. E não, não é pelo confronto deste fim de semana, diante do vizinho FC Vizela, a contar para a Segunda Liga.
Também no domingo - mas à tarde - joga-se um jogo especial para o plantel do FC Felgueiras: um Antime x Santiago de Mascotelos, em sub-17. A razão? Rui Rampa e Gabi Pereira, colegas de equipa de manhã, vão enfrentar-se à tarde, como treinadores.
O zerozero falou com dois protagonistas da história, que assumem - com muito humor à mistura - que até domingo, não existem amizades.
«Quando não consigo ir, é a minha mãe que me vai dizendo como está o jogo»
A vontade de Rampa e Gabi começarem a enveredar pelo treino surgiu bem antes de se tornarem profissionais do desporto rei, como jogadores.
«Comecei há seis anos. Decidi tirar o curso de treinador, o nível um, e depois tive de fazer um estágio. Fiquei pelo clube da minha terra, o Antime, que me acolheu muito bem. Depois fiquei sempre como treinador-adjunto porque não tenho disponibilidade para treinador principal. Sempre fui interessado pela parte do treino», começou por nos dizer Rui Rampa, capitão do FC Felgueiras.
Já Gabi, começou quase por acaso, depois de ir acompanhar o irmão aos treinos: «Já estou no Santiago de Mascotelos há quatro anos. Comecei a levar o meu irmão ao treino e, como eu gosto do treino e de lidar com miúdos, eles acabaram por me convidar. Os primeiros dois anos era adjunto, estes últimos dois temos assim uma liderança partilhada, já posso dizer que sou treinador principal.»
A dinâmica dos dois é similar: treinam de manhã e dão treino ao final da tarde, três vezes por semana. Quando conseguem, vão aos jogos, porém, quando não há essa possibilidade, há quem tenha uma informadora de luxo.
«Quando não consigo ir, é a minha mãe que me vai dizendo como está o jogo (risos). Como eu treino a equipa do meu irmão, ela está sempre lá a ver e vai-me dando esse feedback», assumiu Gabi.
Rampa vs Gabi: «O grande clássico»
Numa semana diferente, o clima no balneário do Felgueiras aqueceu com as picardias entre os dois adversários.
Contextualizando, caro leitor, os dois jogadores - e treinadores - treinam na 1ª Divisão de Juvenis da AF Braga, segunda divisão distrital do escalão. À entrada para este jogo, o Operário de Antime de Rui Rampa está em posição de despromoção, enquanto o Santiago de Mascotelos de Gabi é nono classificado, com mis nove pontos do que o adversário da próxima partida.
«Ontem (quarta-feira) no treino já dissemos que, a partir de hoje, já não nos cumprimentávamos mais. Só no domingo, no final do jogo (risos). Eu já lhe disse: ´o meu campeonato é ganhar-te, festejar e no final do jogo ir para cima de ti com tudo´ (risos)», disse o bem-humorado capitão felgueirense.
Já Gabi, o seu adversário, considera que o amigo está desmotivado: «Acho que o Rampa está negativo porque sabe que, na teoria, nós somos favoritos. Temos mais pontos do que eles, mas já sei que ele vai dar a vida, já o conheço».
O capitão, mais experiente e falador, continuou a dar a sua previsão para a partida: «A minha previsão é que o Gabi perca por muitos, mas não vai ser fácil. Neste momento, as nossas equipas estão em patamares um bocadinho diferentes, mas vamos jogar na nossa casa e claro que nós queremos fazer pontos. Acredito muito na vitória»
Os treinadores - que defrontam o Vizela pelas 11:00 de domingo -, conseguiram colocar a partida num horário que fosse possível estarem presentes e até podem ter adeptos especiais nas bancadas. «Já se falou no balneário que alguns vão ver o grande clássico, o grande confronto, mas não sei (risos)», revelou Rampa.
«Tento fazê-los ver que nem sempre é tudo como eles acham»
Nem sempre a ideia de ter jogadores a treinar - mesmo que sejam equipas de formação - é bem vista pelos treinadores. Em Felgueiras, com Agostinho Bento, esse fator não é um problema.
«O mister sabe que nós somos treinadores, mas acho que não está muito a par da das situações. O Mike Moura também é adjunto no Fafe, por exemplo. Nunca foi tema de conversa porque eu estou ali para respeitar as ordens», começou por dizer Gabi sobre o assunto, assumindo que até usa algumas expressões do técnico com os seus jogadores: «Às vezes, saem-me palavras que ele diz nas palestras (risos)».
Para Rui Rampa, o 10º jogador com mais jogos sob a alçada de Agostinho Bento, é importante «tirar sempre aquilo que achamos que é de bom, de todos os treinadores».
«Tento tirar um bocadinho de todos. Do Agostinho, até pelos patamares que já atingiu, absorvo mais dele do que se calhar absorvi de outros treinadores.»
Em fim de conversa, Rui Rampa ainda refletiu sobre qual o maior desafio de treinar na formação: «Em juvenis, é uma idade mais especial. Já pensam pela cabeça deles e já têm as opiniões vincadas. Tento fazê-los ver que nem sempre tudo é como eles acham que é. Têm de ouvir mais do que responder e absorver mais alguma informação.»