Albino Pakisi recordou que, quando se tornou Presidente da República, em 2018, altura em que o partido manteve como seu presidente o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, João Lourenço contestou a bicefalia que se criou, pela interferência que gerava à sua gestão do país.

"A grande verdade, é que isto [a proposta de alteração dos estatutos] é o que nós queremos, a princípio, pelo menos eu pessoalmente, enquanto analista, o que desejo, de facto, é que os presidentes dos partidos políticos não sejam ao mesmo tempo Presidentes da República, candidatos a Presidente da República", referiu.

Segundo o analista, haveria "uma separação muito clara, que funcionaria efetivamente", no sentido de separar as questões do país das do partido, apesar de admitir que os estatutos do MPLA podem condicionar a atuação de um Presidente da República "que, efetivamente, tem que cumprir as ordens do presidente do partido".

"E aqui há uma pergunta muito clara colocada por um intelectual do MPLA numa conferência, sobre «quem é que manda mais? O Presidente da República ou o presidente do MPLA?». Na verdade, quem manda mais é o presidente do partido. Entretanto, a Constituição também diz que ninguém estará acima do Presidente da República. Eu quero ver o que é que isso vai dar", enfatizou.

O também docente universitário angolano disse estar "expectante" quanto a esta alteração dos estatutos prevista no VIII congresso extraordinário do MPLA, que decorre entre segunda e quarta-feira da próxima semana, considerando que, caso venha a acontecer, dois a três meses depois das eleições gerais de 2027, será criada "uma espécie de bicefalia", caso vença o MPLA.

"Mas a grande verdade é que vai prevalecer a ordem do Presidente da República sobre o presidente do partido. Porque eu não acredito que dê certo a intenção do presidente [do MPLA], João Lourenço, de condicionar o [próximo] Presidente da República, se o MPLA ganhar as eleições", frisou Albino Pakisi.

João Lourenço, que cumpre o seu segundo mandato, está constitucionalmente impedido de se candidatar novamente em 2027.

Para o analista, este "é um congresso polémico, um congresso muito interessante", apesar de, no princípio, o anúncio desta alteração ter "causado alguma estranheza", salientando que a separação destas duas figuras é o que todos os angolanos desejam.

"Aqui podia lembrar o presidente da UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola], Adalberto Costa Júnior, que diz que se for eleito Presidente da República em 2027, no dia seguinte deixa de ser presidente do partido", sublinhou.

Questionado se um candidato a Presidente da República indicado pelo líder do partido teria abertura e disposição para tomar decisões próprias, Albino Pakisi disse que, em 2017, a situação foi exatamente esta, o Presidente João Lourenço foi indicado por José Eduardo dos Santos, mas, logo a seguir, "não obedeceu" às ordens do líder do partido.

"Não acredito, muito sinceramente, que, se o MPLA ganhar as eleições, seja qual for o candidato, enquanto Presidente do país se submeta ao presidente do partido. Não vai acontecer! Estaremos aqui para ver", expressou, manifestando-se "profundamente cético" quanto a um candidato que cumpra as ordens do presidente do MPLA, se este ganhar as eleições em 2027.

De acordo com o docente, esta situação seria importante para os angolanos, "porque o partido vai andar de uma maneira e o país tem que andar de outra maneira".

Entre as polémicas à volta deste congresso, destaca-se também uma providência cautelar submetida ao Tribunal Constitucional por um militante do MPLA, António Venâncio, que quer concorrer pela segunda vez à liderança do partido.

Sobre este assunto, Albino Pakisi disse que, apesar da sua longa militância, António Venâncio "não tem aquela pujança" do general Higino Carneiro, que também tem sido dado como possível candidato, sublinhando que, apesar de o Tribunal Constitucional fazer o seu papel, quem dirige esta instituição "é o lobby que o MPLA tem".

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